Lecce, Livorno e Padova conquistaram o acesso direto à próxima Serie B (Fotos: Lecce Pima, Qui Livorno e Padova Calcio) |
ENGASGADO
Difícil encontrar um time que estivesse com o acesso mais engasgado na garganta do que o Lecce. Os giallorossi estiveram na Serie A pela última vez em 2012, quando terminaram na 18ª colocação e foram rebaixados. No entanto, após o final daquela temporada estourou o escândalo de manipulação de resultados que ficou conhecido como “Calcioscommesse”, que consistia em uma grande rede de manipulação de jogos em diversas divisões para beneficiar apostadores em jogos de futebol. O então zagueiro do Bari, Andrea Masiello (atualmente na Atalanta), admitiu que fez um gol contra de propósito no dérbi da Apulia contra o Lecce, que terminou com a vitória dos leccesi por 2 a 1 naquela temporada. Como resultado das investigações, o então presidente do clube, Pierandrea Semeraro, foi banido do futebol por quatro anos, enquanto Masiello sofreu uma sanção de 2 anos e 2 meses. Já o Lecce foi punido com o rebaixamento. Como a equipe já havia caído no campo para a Serie B, os lupi despencaram direto para a Lega Pro (a Terceira Divisão, em 2012-13).
Desde então, os salentini vêm batendo na trave do acesso ano após ano, mesmo com um dos elencos mais caros na Terceirona. Em 2013, o Lecce ficou com a segunda posição no seu grupo, mas perdeu a final dos playoffs para o Carpi. Na temporada seguinte, os giallorossi ficaram com a terceira colocação e chegaram novamente na decisão dos playoffs, mas acabaram derrotados pelo o Frosinone. Em 2015 o modesto sexto lugar frustrou completamente a esperança da torcida sulista, que retornou em 2016, no entanto, a eliminação para o Foggia nas semifinais dos playoffs foi mais um balde de água fria. Na última temporada parecia que a maldição da Serie C ficaria de lado. Os pugliesi começaram o campeonato com força total, abriram vantagem para os rivais, mas foram perdendo fôlego na reta final e acabaram perdendo a vaga direta na Serie B para o Foggia. Mais uma vez nos playoffs, o Lecce não conseguiu passar das quartas de final contra o Alessandria.
Mesmo com a natural desconfiança, a diretoria do Lecce montou novamente um grupo com jogadores experientes e um dos favoritos ao acesso no grupo C, com times da região sul da Itália. A pressão era tamanha que depois de uma vitória e um empate, a derrota acachapante por 3 a 0 para o Catania na terceira rodada culminou com a demissão do técnico Roberto Rizzo. O assistente Primo Maragliulo dirigiu a equipe na quarta rodada e, na semana seguinte, chegou o treinador Fabio Liverani, jogador com passagens marcantes por Lazio, Fiorentina e Palermo, mas que teve poucas e fracassadas experiências no banco de reservas de Genoa, Leyton Orient (Inglaterra) e Ternana. No entanto, a nova mistura deu certo. Depois da saída de Rizzo, os leccesi emendaram uma sequência invicta de 22 rodadas. Trapani e Catania fizeram sombra durante toda a competição, mas com atuações consistentes, o clube da Apúlia garantiu o título do grupo com duas rodadas de antecedência graças ao sistema defensivo eficiente montado por Liverani, que foi vazado apenas 26 vezes em 35 jogos, o melhor desempenho de toda a competição (não apenas do grupo). Destaques também para o vice-artilheiro do grupo C, o atacante Andrea Saraniti (13 gols) e Matteo Di Piazza (10 gols).
Após a vitória contra a Paganese, no último domingo (29/05) e o acesso garantido, a cidade de Lecce explodiu em uma comemoração colorida em amarelo e vermelho. A festa começou dentro do Estádio Via del Mare e se estendeu pelas principais ruas e praças da cidade litorânea. Mais do que alegria pela conquista, era um grito de milhares de pessoas engasgadas com o inferno da Serie C há seis anos.
RESPOSTA
Quem diz que futebol e política não se misturam é muito ingênuo ou não conhece a Itália. Em um país marcado por fortes divisões culturais e berço do fascismo, os extremos são comuns e, muitas vezes, extrapolam os limites da civilidade, com ofensas racistas, descriminação religiosa e brigas entre grupos opostos. Como o futebol não é alheio ao que acontece a sua volta, também sofre com esta complexidade. Se de um lado parte da torcida da Lazio é conhecida por ser de extrema-direita, adorar o ditador fascista Benito Mussolini, exibir faixas antissemitas nos estádios e confrontos violentos contra seus opostos, o lado esquerdo encontra uma fortaleza de resistência na cidade portuária de Livorno. Foi lá que o Partido Comunista Italiano foi fundado em 1921 e se tornou uma das principais oposições ao regime de Mussolini.
Até hoje, a grande maioria da cidade respira os ideais de esquerda. São comuns as manifestações dentro do Estádio Armando Picchi, com as imagens de Che Guevara, do símbolo comunista da foice e o martelo, além de cânticos que exaltam a posição política. Este trecho de uma reportagem da BBC em 2005 explica bastante o sentimento no local:
“’Não há torcedor do Livorno que não seja de esquerda’”, afirma o estudante Christian Biasci, um entusiasmado torcedor, que usava uma camiseta com a inscrição CCCP, da antiga União Soviética. ‘Aqui somos todos comunistas’”.
O principal ídolo do time de futebol da cidade, o Livorno, é Cristiano Lucarelli. Filho de estivadores, ele cresceu dentro da torcida do clube e também passou a ser um expoente comunista dentro e fora do campo, tanto que foi punido por fazer um gesto político durante a comemoração de um gol pela Seleção Italiana sub-21 na década de 1990. Com a bola nos pés, Lucarelli se revelou um grande goleador, mas rodou por diversos outras equipes até chegar à squadra de seu coração, o Livorno, em 2003. Foi com a camisa amaranto que o centroavante explodiu e viveu seu melhor momento. Marcou 29 gols e foi um dos grandes responsáveis por levar os labronici de volta à Serie A depois de longos 55 anos, em 2004.
Mesmo com a inexperiência, aquele grupo comandado por Franco Colomba e, posteriormente, Roberto Donadoni, conquistou a honrada nona colocação na primeira temporada e, na sequência, com as punições a Juventus, Lazio e Fiorentina, herdou a sexta posição em 2006, se classificando para disputar a então Copa UEFA (atual Europa League).
Parecia um conto de fadas para o time amaranto e para a importante cidade toscana, que, enfim, ganharam protagonismo nacional. Porém, mesmo com uma segura 11ª colocação em 2007, o Livorno não resistiu à saída do ídolo Lucarelli na temporada seguinte, se transferindo para o Shaktar Donetsk, da Ucrânia, e acabou rebaixado segurando a lanterninha da Serie A. Nos anos seguintes, os livornesi se tornaram uma espécie de “io-io”, alternando momentos entre as duas primeiras divisões do futebol italiano, até que, em 2016, o clube teve que se desfazer de peças importantes e surpreendentemente caiu para a Serie C depois de 15 anos. Os triglie foram eliminados para a Reggiana nas quartas de final dos playoffs de 2017, mas nesta temporada o time treinado por Andrea Sottil deslanchou.
Destaque para os 62 gols marcados em 35 rodadas, o melhor ataque de toda a competição. O experiente atacante Andrea Vantaggiato é o artilheiro da equipe com 17 gols, seguidos do jovem brasileiro Murilo, de 23 anos, revelado pelo Barueri e que atuou por três anos no Olhanense de Portugal. Ele já foi às redes em 11 ocasiões e é uma das promessas para a próxima temporada.
DO FUNDO DO POÇO
O tradicional Padova viveu os melhores momentos de sua história de 108 anos entre o final da década de 1940 e o início dos anos 1960, quando era um habitué da Serie A e chegou a terceira colocação na temporada 1957-58, comandado pelo lendário técnico Nereo Rocco, que posteriormente conquistaria dois Campeonatos Italianos, três Coppas Italia, duas Copas dos Campeões e um Mundial de Clubes pelo Milan. Depois deste período, os biancoscudati só retornariam à Primeira Divisão entre as temporadas 1994-95 e 1995-96 e, desde então, flutuam entre a Serie B e Terceirona.
No entanto, o inferno aguardava a torcida do Padova em 2014. Depois de brigar pelo retorno à Serie A, os patavini amargaram um rebaixamento à Serie C na temporada 2013-14. Sem dinheiro em caixa, os novos proprietários, que assumiram o clube no ano anterior, até tentaram se inscrever na Lega Pro (Terceira Divisão, à época), mas não conseguiram honrar com seus compromissos e o clube decidiu se dedicar apenas às categorias de base, abdicando do futebol profissional. Foi então que um grupo de empresários locais de Pádova arrecadaram recursos e fundaram uma nova equipe, o Biancoscudati Padova, que foi inscrita na Serie D, a semiprofissional Quarta Divisão.
Com um sucesso imediato e o acesso tranquilo à Serie C, a squadra retomou o tradicional nome Calcio Padova e precisou lutar por três temporadas até conseguir o sonhado retorno à Serie B. Os vèneti montaram um elenco recheado de nomes experientes, mesclados com jovens das categorias de base do próprio clube e emprestados de outros times das divisões superiores. O técnico Pierpaolo Bisoli, que esteve à frente de equipes das séries A e B recentemente, aceitou o desafio de comando os padovani na Terceira Divisão e, com mais tranquilidade, conseguiu montar um sistema defensivo forte (melhor defesa do grupo B e a terceira melhor de todo o campeonato, com 27 gols sofridos).
Mesmo derrapando na parte final, com apenas um triunfo nos últimos sete jogos, o Padova garantiu a primeira colocação do grupo com sobras, à frente de Sudtirol, Sambenedettese, Reggiana e Feralpisalò, que, apesar dos bons elencos, não conseguiram deslanchar e terão que disputar os playoffs para tentar o último lugar na próxima Serie B ao lado de Padova, Lecce e Livorno.
Foto 1: Lecce Prima
Foto 2: Lecce Prima
Foto 3: Divulgação
Foto 4: Qui Livorno
Foto 5: Qui Livorno
Foto 6: Padova Calcio