quinta-feira, 3 de maio de 2018

SERIE C: O RETORNO DA TRADIÇÃO - LECCE, LIVORNO E PADOVA DE VOLTA À SERIE B

Lecce, Livorno e Padova conquistaram o acesso direto à próxima Serie B (Fotos: Lecce Pima, Qui Livorno e Padova Calcio)
Nos últimos anos as primeiras divisões do futebol italiano têm sido tomadas por uma enxurrada de clubes que, apesar de centenários, possuem pouca expressão nacional. Eles ocupam os lugares de equipes tradicionais afundadas em dívidas e péssimas administrações. Em cinco anos, times como Benevento, Crotone, Carpi, Frosinone e Sassuolo fizeram suas estreias na Primeira Divisão. Com dinheiro de um empresário local, o sasòl é o exemplo de maior sucesso entre os novatos, com uma inédita classificação à Europa League há duas temporadas. Os exemplos na Segunda Divisão também são muitos: Virtus Entella, Trapani, Latina, Virtus Lanciano, Nocerina, Gubbio... Também não são poucos os times de história que tentam ressurgir, como Verona, Pescara, Cesena, Perugia, Parma, Pro Vercelli e Spal. Alguns chegaram ao sol, enquanto outros estão bem próximos de retornar ao ostracismo, mas fazem parte deste grupo que chegou as duas principais divisões do país nos últimos anos. É neste cenário de incertezas que três esquadras que, juntas, colecionam 70 participações na elite do Campeonato Italiano estão de volta à Serie B. Com campanhas irretocáveis e sentimentos bem diferentes, Padova, Livorno e Lecce foram os campeões de seus grupos na Serie C e garantiram o direito dos seus castigados torcedores sonharem novamente com dias melhores.


ENGASGADO

Difícil encontrar um time que estivesse com o acesso mais engasgado na garganta do que o Lecce. Os giallorossi estiveram na Serie A pela última vez em 2012, quando terminaram na 18ª colocação e foram rebaixados. No entanto, após o final daquela temporada estourou o escândalo de manipulação de resultados que ficou conhecido como “Calcioscommesse”, que consistia em uma grande rede de manipulação de jogos em diversas divisões para beneficiar apostadores em jogos de futebol. O então zagueiro do Bari, Andrea Masiello (atualmente na Atalanta), admitiu que fez um gol contra de propósito no dérbi da Apulia contra o Lecce, que terminou com a vitória dos leccesi por 2 a 1 naquela temporada. Como resultado das investigações, o então presidente do clube, Pierandrea Semeraro, foi banido do futebol por quatro anos, enquanto Masiello sofreu uma sanção de 2 anos e 2 meses. Já o Lecce foi punido com o rebaixamento. Como a equipe já havia caído no campo para a Serie B, os lupi despencaram direto para a Lega Pro (a Terceira Divisão, em 2012-13).

Desde então, os salentini vêm batendo na trave do acesso ano após ano, mesmo com um dos elencos mais caros na Terceirona. Em 2013, o Lecce ficou com a segunda posição no seu grupo, mas perdeu a final dos playoffs para o Carpi. Na temporada seguinte, os giallorossi ficaram com a terceira colocação e chegaram novamente na decisão dos playoffs, mas acabaram derrotados pelo o Frosinone. Em 2015 o modesto sexto lugar frustrou completamente a esperança da torcida sulista, que retornou em 2016, no entanto, a eliminação para o Foggia nas semifinais dos playoffs foi mais um balde de água fria. Na última temporada parecia que a maldição da Serie C ficaria de lado. Os pugliesi começaram o campeonato com força total, abriram vantagem para os rivais, mas foram perdendo fôlego na reta final e acabaram perdendo a vaga direta na Serie B para o Foggia. Mais uma vez nos playoffs, o Lecce não conseguiu passar das quartas de final contra o Alessandria.

Mesmo com a natural desconfiança, a diretoria do Lecce montou novamente um grupo com jogadores experientes e um dos favoritos ao acesso no grupo C, com times da região sul da Itália. A pressão era tamanha que depois de uma vitória e um empate, a derrota acachapante por 3 a 0 para o Catania na terceira rodada culminou com a demissão do técnico Roberto Rizzo. O assistente Primo Maragliulo dirigiu a equipe na quarta rodada e, na semana seguinte, chegou o treinador Fabio Liverani, jogador com passagens marcantes por Lazio, Fiorentina e Palermo, mas que teve poucas e fracassadas experiências no banco de reservas de Genoa, Leyton Orient (Inglaterra) e Ternana. No entanto, a nova mistura deu certo. Depois da saída de Rizzo, os leccesi emendaram uma sequência invicta de 22 rodadas. Trapani e Catania fizeram sombra durante toda a competição, mas com atuações consistentes, o clube da Apúlia garantiu o título do grupo com duas rodadas de antecedência graças ao sistema defensivo eficiente montado por Liverani, que foi vazado apenas 26 vezes em 35 jogos, o melhor desempenho de toda a competição (não apenas do grupo). Destaques também para o vice-artilheiro do grupo C, o atacante Andrea Saraniti (13 gols) e Matteo Di Piazza (10 gols).

Após a vitória contra a Paganese, no último domingo (29/05) e o acesso garantido, a cidade de Lecce explodiu em uma comemoração colorida em amarelo e vermelho. A festa começou dentro do Estádio Via del Mare e se estendeu pelas principais ruas e praças da cidade litorânea. Mais do que alegria pela conquista, era um grito de milhares de pessoas engasgadas com o inferno da Serie C há seis anos.



RESPOSTA

Quem diz que futebol e política não se misturam é muito ingênuo ou não conhece a Itália. Em um país marcado por fortes divisões culturais e berço do fascismo, os extremos são comuns e, muitas vezes, extrapolam os limites da civilidade, com ofensas racistas, descriminação religiosa e brigas entre grupos opostos. Como o futebol não é alheio ao que acontece a sua volta, também sofre com esta complexidade. Se de um lado parte da torcida da Lazio é conhecida por ser de extrema-direita, adorar o ditador fascista Benito Mussolini, exibir faixas antissemitas nos estádios e confrontos violentos contra seus opostos, o lado esquerdo encontra uma fortaleza de resistência na cidade portuária de Livorno. Foi lá que o Partido Comunista Italiano foi fundado em 1921 e se tornou uma das principais oposições ao regime de Mussolini.

Até hoje, a grande maioria da cidade respira os ideais de esquerda. São comuns as manifestações dentro do Estádio Armando Picchi, com as imagens de Che Guevara, do símbolo comunista da foice e o martelo, além de cânticos que exaltam a posição política. Este trecho de uma reportagem da BBC em 2005 explica bastante o sentimento no local:

“’Não há torcedor do Livorno que não seja de esquerda’”, afirma o estudante Christian Biasci, um entusiasmado torcedor, que usava uma camiseta com a inscrição CCCP, da antiga União Soviética. ‘Aqui somos todos comunistas’”.

O principal ídolo do time de futebol da cidade, o Livorno, é Cristiano Lucarelli. Filho de estivadores, ele cresceu dentro da torcida do clube e também passou a ser um expoente comunista dentro e fora do campo, tanto que foi punido por fazer um gesto político durante a comemoração de um gol pela Seleção Italiana sub-21 na década de 1990. Com a bola nos pés, Lucarelli se revelou um grande goleador, mas rodou por diversos outras equipes até chegar à squadra de seu coração, o Livorno, em 2003. Foi com a camisa amaranto que o centroavante explodiu e viveu seu melhor momento. Marcou 29 gols e foi um dos grandes responsáveis por levar os labronici de volta à Serie A depois de longos 55 anos, em 2004.


Mesmo com a inexperiência, aquele grupo comandado por Franco Colomba e, posteriormente, Roberto Donadoni, conquistou a honrada nona colocação na primeira temporada e, na sequência, com as punições a Juventus, Lazio e Fiorentina, herdou a sexta posição em 2006, se classificando para disputar a então Copa UEFA (atual Europa League).

Parecia um conto de fadas para o time amaranto e para a importante cidade toscana, que, enfim, ganharam protagonismo nacional. Porém, mesmo com uma segura 11ª colocação em 2007, o Livorno não resistiu à saída do ídolo Lucarelli na temporada seguinte, se transferindo para o Shaktar Donetsk, da Ucrânia, e acabou rebaixado segurando a lanterninha da Serie A. Nos anos seguintes, os livornesi se tornaram uma espécie de “io-io”, alternando momentos entre as duas primeiras divisões do futebol italiano, até que, em 2016, o clube teve que se desfazer de peças importantes e surpreendentemente caiu para a Serie C depois de 15 anos. Os triglie foram eliminados para a Reggiana nas quartas de final dos playoffs de 2017, mas nesta temporada o time treinado por Andrea Sottil deslanchou.

Mas não foi fácil. Com o elenco mais caro do grupo A, o Livorno começou deslanchando com uma sequência de apenas uma derrota nas 21 primeiras partidas. No entanto, a partir da segunda metade do campeonato, o que era uma campanha tranquila quase se tornou em pesadelo. A equipe ganhou somente cinco jogos dos 15 disputados em 2018 e Andrea Sottil acabou demitido. No entanto, sob comando de Luciano Foschi, os toscanos chegaram a cair para a segunda colocação e, logo, a diretoria recontratou Sottil. Graças aos diversos tropeços dos principais rivais, Siena e Pisa, a squadra amaranto conseguiu retomar a ponta da classificação na reta final e garantiu o acesso direto com uma rodada de antencedência.

Destaque para os 62 gols marcados em 35 rodadas, o melhor ataque de toda a competição. O experiente atacante Andrea Vantaggiato é o artilheiro da equipe com 17 gols, seguidos do jovem brasileiro Murilo, de 23 anos, revelado pelo Barueri e que atuou por três anos no Olhanense de Portugal. Ele já foi às redes em 11 ocasiões e é uma das promessas para a próxima temporada.



DO FUNDO DO POÇO

O tradicional Padova viveu os melhores momentos de sua história de 108 anos entre o final da década de 1940 e o início dos anos 1960, quando era um habitué da Serie A e chegou a terceira colocação na temporada 1957-58, comandado pelo lendário técnico Nereo Rocco, que posteriormente conquistaria dois Campeonatos Italianos, três Coppas Italia, duas Copas dos Campeões e um Mundial de Clubes pelo Milan. Depois deste período, os biancoscudati só retornariam à Primeira Divisão entre as temporadas 1994-95 e 1995-96 e, desde então, flutuam entre a Serie B e Terceirona.

No entanto, o inferno aguardava a torcida do Padova em 2014. Depois de brigar pelo retorno à Serie A, os patavini amargaram um rebaixamento à Serie C na temporada 2013-14. Sem dinheiro em caixa, os novos proprietários, que assumiram o clube no ano anterior, até tentaram se inscrever na Lega Pro (Terceira Divisão, à época), mas não conseguiram honrar com seus compromissos e o clube decidiu se dedicar apenas às categorias de base, abdicando do futebol profissional. Foi então que um grupo de empresários locais de Pádova arrecadaram recursos e fundaram uma nova equipe, o Biancoscudati Padova, que foi inscrita na Serie D, a semiprofissional Quarta Divisão.

Com um sucesso imediato e o acesso tranquilo à Serie C, a squadra retomou o tradicional nome Calcio Padova e precisou lutar por três temporadas até conseguir o sonhado retorno à Serie B. Os vèneti montaram um elenco recheado de nomes experientes, mesclados com jovens das categorias de base do próprio clube e emprestados de outros times das divisões superiores. O técnico Pierpaolo Bisoli, que esteve à frente de equipes das séries A e B recentemente, aceitou o desafio de comando os padovani na Terceira Divisão e, com mais tranquilidade, conseguiu montar um sistema defensivo forte (melhor defesa do grupo B e a terceira melhor de todo o campeonato, com 27 gols sofridos).

Mesmo derrapando na parte final, com apenas um triunfo nos últimos sete jogos, o Padova garantiu a primeira colocação do grupo com sobras, à frente de Sudtirol, Sambenedettese, Reggiana e Feralpisalò, que, apesar dos bons elencos, não conseguiram deslanchar e terão que disputar os playoffs para tentar o último lugar na próxima Serie B ao lado de Padova, Lecce e Livorno.



Foto 1: Lecce Prima
Foto 2: Lecce Prima
Foto 3: Divulgação
Foto 4: Qui Livorno
Foto 5: Qui Livorno
Foto 6: Padova Calcio
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